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Como criar negócios competitivos com responsabilidade socioambiental

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Planejamento e intervenção simultânea na cadeia são parte do segredo para o sucesso dos empreendimentos

Por todo o mundo, temos visto surgir modelos de negócios que buscam romper com a forma tradicional de operar no mercado e mostrar que é possível gerar renda e trabalho, priorizando as pessoas e o meio ambiente. Produções agrícolas em agroflorestas, cooperativas de pescadores que vivem da pesca sustentável e fabricantes de roupas que prezam por relações de trabalho e comércio justas e ecológicas são apenas algumas das formas que esses negócios podem tomar.

Esse tipo de empreendimento surge como resposta a uma demanda por soluções em um mundo marcado por desigualdade, violações de direitos humanos e uma crise ambiental da qual as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade são só alguns de seus sintomas. 

Os desafios do mercado

Para concretizar esses projetos, é preciso unir a sustentabilidade e a justiça social com uma visão prática capaz de atender as necessidades do mercado. E isso não é fácil. O desafio é ainda maior quando falamos de negócios desenvolvidos por comunidades com pouco acesso a recursos econômicos e serviços sociais.

O primeiro passo para superar esse problema é entender quais são os obstáculos que devem ser contornados. O maior deles talvez seja a falta de infraestrutura e de serviços básicos como saúde, educação e saneamento que muitos locais enfrentam, pois, sem base, o desenvolvimento se torna mais difícil e leva mais tempo.

Em condições precárias, as oportunidades de renda são escassas, e mesmo quando se encontra uma forma de desenvolver um produto, fazê-lo chegar até os consumidores é outra história. Para o consultor do Instituto Interelos, Wagner D’Onofrio, essa é uma questão enfrentada por muitos empreendimentos. “Existe um desafio enorme de logística na Amazônia, sobretudo no que diz respeito a estruturar negócios e transportar produtos até o centro consumidor”, diz ele.

Além da falta de compradores, a ausência de estradas, aeroportos e outras infraestruturas necessárias dificultam o acesso a outros mercados. Nas palavras de D’Onofrio, “Quanto maior a precariedade do acesso, maior o desafio de logística”. 

As deficiências educacionais, por outro lado, impedem o desenvolvimento dos territórios a longo prazo. A educação é fundamental para formar mão de obra qualificada e fomentar o pensamento crítico entre os moradores das comunidades. Outro desafio é criar modelos de negócios capazes de trazer uma renda adequada e agregar valor para a região. Adquirir a escala necessária para ser capaz de competir no mercado é um grande desafio. Assim como garantir qualidade de vida com a venda de produtos primários, pois não é nada simples produzir mercadorias com valor agregado. 

Além disso, todo negócio requer investimentos para a sua viabilização e operação.  “É preciso de investimento em terreno, equipamentos e, no início da operação, para capital de giro. Sem investimento, não há avanço.”, explica D’Onofrio. 

O desenvolvimento de empreendimentos e territórios precisa de um fluxo constante de capital e planejamento capazes de viabilizar mudanças mais profundas e duradouras. Adquirir escala é outro desafio que não é simples de se contornar. “Você precisa ter uma grande capacidade de beneficiamento, capacidade industrial. É preciso produzir em grande escala e estamos falando de gerenciar uma indústria, não é uma tarefa simples”. 

Destravando as cadeias de valor

Apesar de não ser fácil, é possível contornar esses obstáculos com estratégia e planejamento voltado ao curto, médio e longo prazo. Para isso, é preciso pensar nas questões mencionadas e atuar em todos os elos das cadeias produtivas.

É importante pensar em como os benefícios socioambientais desse tipo de negócio podem ser utilizados a favor da sua estruturação. Para D’Onofrio, “colocar benefícios sociais e ambientais no produto é uma solução para agregar ainda mais valor”. Para ele, muitos consumidores vão valorizar esse aspecto e, se for o caso, pagar mais por essa produção, o que representa uma oportunidade. 

Mas antes disso, é necessário saber se existe um mercado interessado no que a empresa se propõe a vender . “Primeiramente, é preciso fazer muita pesquisa de mercado para saber se os consumidores estão dispostos a pagar por um produto com essas qualidades e, em seguida, se há de fato um mercado consumidor que seja grande o suficiente”, explica D’Onofrio.

Para ele, colocar ativos socioambientais na cadeia de negócios de uma indústria é também uma forma de atrair investimentos de outras empresas e organizações, o que permite a sua estruturação e viabilização.

E quando falamos em benefícios sociais, é importante pensar em como eles podem ser implementados não apenas nos produtos mas na própria estrutura dos negócios desenvolvidos. De acordo com D’Onofrio, o cooperativismo é uma das formas de conseguir isso, especialmente em projetos de base comunitária.

“O cooperativismo é uma ferramenta que evita a concentração de renda, porque o lucro, quando chega, é distribuído para todos”, explica. Além disso, ele ressalta que “em uma cooperativa, a comunidade é a protagonista do empreendimento, porque são eles que tomam as decisões”. Esse protagonismo é uma peça chave do desenvolvimento dos territórios ao garantir que as necessidades e prioridades das suas populações estejam refletidas em seus empreendimentos. 

Com o negócio estruturado e havendo capital de giro, é preciso ganhar escala e gerar produtos de valor agregado como forma de aumentar a renda e as oportunidades de emprego. Isso envolve lidar com questões de logística que permeiam toda a cadeia produtiva. 

Adquirir capacidade industrial é outro passo importante para a transformação de matéria prima em produtos de maior valor e também para ganhar escala. Mas colocar uma indústria de pé e administrá-la não é tarefa das mais simples. D’Onofrio ressalta a importância da capacidade de administrar e planejar:

“É preciso ter uma grande produção de matéria prima e uma coordenação dos diferentes processos. Isso envolve organizar toda a base de produtores para produzir em grande quantidade e entregar na data correta e de forma correta”, afirma.

Tudo isso não se constrói de um dia para o outro. É um processo a longo prazo que requer investimento em logística, gestão e inovação, mas também nas pessoas. Esse é o único investimento que possibilitará o desenvolvimento dos territórios a longo prazo.Investir em gente.

Educação é o melhor fruto

Para Aldemir Corrêa, vice-presidente do Comitê Gestor do protocolo Comunitário do Beira Amazonas e membro do conselho deliberativo da Cooperativa Agroextrativista dos Produtores do Bailique e Beira Amazonas (Amazonbai), no estado do Amapá, a educação é a chave para o sucesso. 

Morador da região, ele teve uma formação como técnico em agroextrativismo pela Escola Família Agroextrativista do Carvão, se especializando depois em gestão de cooperativas através da Escola Superior de Cooperativismo, em Porto Alegre. Essa formação foi valiosa para a sua atuação na Amazonbai, que produz o açaí através de técnicas de manejo sustentáveis e hoje conta com uma agroindústria que escoa parte de sua produção para São Paulo.

Para ele, “o sucesso de qualquer empreendimento depende da ciência e da tecnologia, e para isso é preciso de formação e de conhecimento”. É esse conhecimento, diz Corrêa, “que permite aprimorar os processos de gestão compartilhada e democrática, com transparência e responsabilidade”.

Só é possível estruturar um empreendimento de sucesso se esse negócio tiver pessoas capazes de realizar intervenções simultâneas na cadeia de produção e ações coordenadas. Ele ressalta também que intervenções precisam ocorrer “tanto no que diz respeito ao manejo sustentável quanto à gestão da empresa e sua parte técnica e operacional”.

É necessário que haja mão de obra qualificada para gerir esse tipo de operação, desde a produção da matéria prima até o escoamento das mercadorias já processadas pela indústria para o mercado consumidor, assim como para identificar possíveis gargalos, melhorar a logística e buscar novos mercados, entre outras funções. 

Se tudo isso depende de capital cultural, diz Corrêa, “então a educação é a alma desse negócio”. Para além disso, é preciso pensar em que tipo de educação deve ser promovida de acordo com as necessidades regionais. “É preciso que ela (a educação) dialogue com o território, a cadeia produtiva, a consciência ambiental e os saberes locais”, explica. 

Se a Amazonbai chegou onde está, isso se deve, em grande parte, ao trabalho desenvolvido pelas Escolas-Família Rurais da região, como a que formou Corrêa. Essas escolas são baseadas na pedagogia alternância, na qual alunos alternam entre períodos em que ficam em suas comunidades e períodos nas escolas, onde aprendem também conhecimentos que podem ser aplicados onde vivem como técnicas agroextrativistas.

“Essa formação trouxe para as comunidades uma possibilidade de olhar para o potencial da floresta de outro modo, de um modo que não é só o da exploração do capital”, conta ele. “Agora temos a responsabilidade de usar esses recursos de forma sustentável para que eles permaneçam como fonte de renda para as próximas gerações”. 

Hoje, os moradores da região colhem os frutos da sua formação e do seu trabalho na Amazonbai, e mostram que, com planejamento adequado e investimento de longo prazo na educação, é possível estruturar empreendimentos de sucesso nos quais a sustentabilidade e o desenvolvimento dos territórios caminham juntos.

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