No Dia da Amazônia, precisamos lembrar que para desenvolver a economia da região é preciso, antes, manter a floresta em pé
A floresta amazônica é um dos elementos mais conhecidos do imaginário internacional. Suas matas são coroadas por árvores como a castanheira e a sumaúma, onde vivem macacos e aves das mais variadas cores. Em seus lagos, rios e igarapés encontramos uma diversidade incrível de peixes, e no vasto território que ela ocupa – 59% do território brasileiro além de partes do Peru, Bolívia, Venezuela, Equador e Colômbia – diferentes populações e culturas desenvolvem seus modos de vida em áreas urbanas e rurais.
Ela é também um território de importância crucial para o Brasil e o mundo. Com um terço da área de florestas tropicais do planeta, abriga mais de 60 mil espécies de plantas e animais, incluindo grande parte do patrimônio genético do planeta. Essa vida é essencial para a manutenção do bioma, além de conter várias espécies que podem ser fonte de alimento, medicina, cosméticos e outros serviços.
Com 20% da água doce do mundo, a floresta desempenha um papel essencial na manutenção do clima, enviando chuva para diversas regiões e países através da evapotranspiração das árvores, forma pela qual a água da superfície terrestre passa para a atmosfera no estado de vapor, capturando e retendo carbono.
Os desafios da Amazônia
Atualmente, o potencial da Amazônia é explorado de maneira incorreta e seus benefícios não são revertidos para as populações que nela habitam, gerando diversos problemas socioambientais. Um deles é o desmatamento que vem crescendo de forma expressiva, impulsionado principalmente pela agropecuária que avança sobre a floresta para produzir commodities como soja e carne bovina. Só em 2021, mais de 970 mil hectares foram perdidos, o que representa 59% do total de área desmatada no país, como mostra o levantamento feito pelo MapBiomas.
Para a analista de relações comunitárias do instituto Interelos, Mariana Chaubet, há nesse momento uma invasão muito grande na floresta por parte de um modelo agropecuário que concentra poder e riquezas. Essa forma de produção gera muito impacto ambiental, emprega poucas pessoas, por fazer amplo uso de maquinário agrícola, e foca na exportação de sua produção. Isso se deve à demanda por essas commodities no mercado, impulsionado pelo aumento do consumo mundial, mas há também uma série de questões relacionadas à postura do Estado. “Você tem incentivos fiscais que são dados ao agronegócio mas não são dados à agricultura familiar e nem aos povos que estão manejando a floresta”, diz Chaubet. Entre esses incentivos estão o dinheiro investido nessa produção e a isenção de impostos para produtos exportados, além do facilitado acesso a mecanismos de crédito.
A falta de incentivo dificulta o desenvolvimento sustentável do bioma amazônico. Chaubet explica: “acontece muitas vezes das comunidades terem um plano de manejo florestal aprovado, mas não terem capital de giro para fazer o manejo”. Como resultado, elas terminam muitas vezes trabalhando para as empresas que têm esse capital e que ficam com a maior parte do valor gerado pela sua produção. Muitas delas também se apropriam do conhecimento dos povos indígenas e outras populações locais sobre os produtos da floresta, desenvolvendo produtos que não envolvem e nem beneficiam essas comunidades. Para Chaubet, isso é um problema.
“Boa parte dos remédios, cosméticos e outros produtos que consumimos vem da floresta, das matérias primas que estão na natureza”, diz ela.
Assim, a demanda que tem surgido por produtos da floresta, no contexto dos debates sobre a bioeconomia da Amazônia, não necessariamente se traduz em modelos que beneficiam quem vive lá, por falta de recursos ou infraestrutura para desenvolver seus próprios empreendimentos ou por falta de acesso direto a mercados que pagam por esses produtos. No entanto, como reafirma Chaubet, “é preciso discutir a bioeconomia, envolvendo as comunidades que vivem na floresta, para que ela possa trazer desenvolvimento e benefícios para os povos da floresta.”
Muitas vezes, não há também acesso a serviços básicos como saúde, educação ou mesmo saneamento. Além de dificultar o desenvolvimento regional, essa carência também faz com que muitas pessoas, principalmente os jovens, abandonem suas comunidades. Para Chaubet, a falta de educação de qualidade é uma das principais causas desse movimento. De acordo com ela, não dá pra promover a mudança na região sem resolver essa questão. “Você está fomentando uma economia sustentável nesse território amazônico, mas a população jovem está saindo porque não encontra oportunidades de trabalho para ficar lá”.
Tecendo soluções
Os desafios enfrentados pela Amazônia são muitos, mas as soluções estão ao nosso alcance. Um ponto de partida é garantir serviços públicos que promovam o acesso à saúde, educação e outros serviços necessários para melhorar a qualidade de vida das pessoas que lá habitam, além de criar alternativas econômicas a partir do uso da biodiversidade para melhorar a renda.
Para Chaubet, “é dever do Estado fomentar políticas públicas que possam assegurar a permanência dessas pessoas e suas comunidades, e que criem também condições para impulsionar o seu desenvolvimento”. É preciso engajar diferentes atores da região para pressionar o Estado a buscar soluções onde ele ainda não se mostra presente, e ao mesmo tempo fomentar o manejo e uso sustentável dos recursos naturais.
É fundamental investir em modelos de educação que sejam adaptados para a realidade dos jovens, que tragam o modo de vida como elemento propulsor do conhecimento, o que contribui para que eles fiquem em suas comunidades e tenham mais oportunidades de colaborar com o desenvolvimento local.
Uma proposta que tem se mostrado promissora em territórios com baixa densidade populacional é a implementação de Escolas Família. Baseadas na pedagogia da alternância, na qual alunos alternam entre períodos que passam em casa e na escola, elas combinam o ensino formal com a transmissão de conhecimentos adaptados para a realidade local como técnicas agroextrativistas, ajudando a formar líderes comunitários e trabalhadores capacitados para agir em suas comunidades.
O Interelos tem apoiado esse modelo, buscando estruturar e implementar um Fundo Patrimonial, em articulação com parceiros, para financiar a Escola Família Agroecológica do Macacoari (EFAM) e a Escola Família Agroextrativista do Bailique (EFAB), ambas no estado do Amapá.
Fomentando economias e comunidades locais
Pensar no sustentável envolve também lidar com a questão fundiária, regularizando os territórios em que vivem comunidades tradicionais e garantindo que esses territórios sejam protegidos. Um artigo publicado recentemente pela revista científica Biological Conservation indica que territórios indígenas e quilombolas são os mais preservados, principalmente os demarcados, o que indica que a demarcação desses territórios é urgente e essencial.
“As comunidades preservam a floresta porque dependem dela, e o desenvolvimento da Amazônia não pode deixar de considerar isso”, afirma Chaubet. Para ela, é importante “ajudar os povos da floresta a manter os seus conhecimentos, as suas tradições e a manter a floresta em pé, trazendo inovação, tecnologia e alternativas que possam beneficiá-los a partir desse conhecimento”
Isso inclui, também, fomentar o desenvolvimento das cadeias produtivas da região apoiando modelos inclusivos e sustentáveis que são dirigidos pelas populações locais. O Interelos tem buscado atuar nessa área, fortalecendo as capacidades de gestão administrativa e financeira através de parcerias com empreendimentos como a Amazonbai, cooperativa que produz açaí a partir do manejo sustentável, no Amapá.
A implementação de infraestrutura, assistência técnica e tecnologias que permitem agregar valor a produtos primários e facilitar o acesso a diferentes mercados também contribui para incentivar uma economia mais justa e inclusiva. Nas palavras de Chaubet, “Precisamos trazer inovação e tecnologia para a região, mas isso precisa ser feito de forma que contribua para a melhoria das economias locais”,
E é essencial, também, que se elabore políticas públicas que incentivem a agricultura familiar como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), que compra comida desse tipo de produção para destiná-la a quem não tem acesso à alimentação saudável e de qualidade. Outras ferramentas importantes para desenvolver esses modelos são incentivos como acesso a crédito, subsídio e outras fontes de financiamento, além de isenções fiscais. Por outro lado, é preciso diminuir incentivos para atividades de alto impacto ambiental.
O estudo recente “Bioeconomia da Sociobiodiversidade no Estado do Pará“, realizado pela The Nature Conservancy (TNC), indica um potencial de geração de R$ 170 bilhões em renda só nesse estado até 2040 através de produtos da floresta adquiridos pelo manejo sustentável.
Manter a floresta de pé não é um obstáculo para o desenvolvimento econômico, mas a condição para que ele traga melhorias profundas e duradouras para a região, aproveitando ao máximo a sua riqueza natural e cultural. Cabe ao estado, às empresas e à sociedade civil fomentar o uso sustentável da biodiversidade.